Durante o estágio em que tive a oportunidade de percorrer alguns pólos hospitalares de Chengdu, pude comprovar que a acupuntura vai muito além de uma terapia em que se “espeta agulhas” no paciente! Na China, tanto na acupuntura como nas restantes disciplinas da Medicina Tradicional Chinesa, há muito mais do que aquilo que chega até nós aqui no ocidente… Desde a simples forma de picar e manipular a agulha que pode variar consoante o objectivo terapêutico que se pretende atingir, até às mais loucas técnicas que nunca pensaria que pudessem existir nos dias de hoje, muito menos em ambiente hospitalar!
Comecei a aperceber-me das diferenças nas técnicas logo ao segundo dia de estágio, quando um dos nossos professores se apercebeu que eu estava constipada e, com a amabilidade e atenção típicas dos chineses, insistiu para me ajudar picando-me apenas dois pontos. A intérprete imediatamente me avisou que aquela técnica específica de acupuntura implica dor… mas dor forte! O Dr. picou o meu dedo, e de facto a dor foi lancinante e irradiou pelo braço até ao peito. Como se não bastasse, ainda manipulou as agulhas criando tensão à volta e permaneci assim por 15 minutos até serem removidas e isso sim, doeu!… No meio de toda aquela novidade, não sei se foi a dor ou o medo que me fizeram desmaiar!! Segundo os meus colegas, em menos de nada aparece um médico especialista em Tuiná (técnica de massagem dos pontos de acupunctura) que, apenas com a pressão de dois pontos, me fez acordar de imediato. Aqui apercebi-me logo que a técnica de dor é realmente eficaz, pois a constipação de facto passou, mas que é aplicável apenas em populações habituadas a este tipo de terapias, não na nossa em que usamos a técnica de acupunctura sem dor porque de outra forma extinguiríamos os pacientes que nos procuram.
Após este episódio assisti, no departamento de músculo-esquelética, a uma técnica incrível, usada em casos de tendinites, patologias do menisco, entre outras… Algo que consiste em queimar agulhas até ficarem incandescentes e aplica-las de imediato no paciente ou em cobrir a zona de lesão com uma toalha embebida em álcool incendiada, que permanece até o doente manifestar forte sensação de calor, sendo imediatamente apagada com um outra toalha embebida em água. A reacção dos doentes é passiva, sem grandes manifestações de dor.
O departamento mais generalista de um dos hospitais, que me pareceu assemelhar-se a uma medicina interna, recebe muitas vezes crianças com paralisia cerebral, que são picadas na cabeça ainda com poucos meses de vida… Choram durante a aplicação das agulhas, mas em pouquíssimos minutos ficam tranquilos e aguentam o tratamento inteiro tal qual um adulto. Essa impressionou-me particularmente, principalmente pela sensibilidade exigida nesta área. AVC’s e paralisias faciais são o prato do dia na China, e aqui as terapias não são assim tão díspares das nossas, tirando a aplicação de gengibre aquecido, por exemplo.
Em determinadas doenças de pele, as lesões como psoríase e zona por exemplo, são picadas até sangrar para depois lhes ser aplicada uma ventosa para puxar o sangue que, segundo eles, está tóxico naquelas lesões, e por isso tem que sair. Assim, o resultado final é uma ventosa, que parece um copo, cheia de sangue. Algo nada comum por estes lados!
Entre estes métodos, pude assistir a muitos outros que me surpreenderam, é difícil enumera-los a todos, mas o facto é que os resultados são bem visíveis numa população que usa a Medicina Chinesa em primeira linha, nunca deixando de parte a ocidental à qual também recorrem várias vezes.
Para nós seria impensável aplicar a maioria destas técnicas numa cultura onde tudo isto é demasiado radical, onde temos que reduzir ao máximo a dor para que o paciente se sinta confortável durante o tratamento, e por isso é que é referido quase sempre que a nossa acupuntura não dói… e é um facto! Nós, aqui deste lado, temos que nos moldar e tirar o melhor partido das técnicas chinesas e aliá-lo à comodidade exigida pelos nossos pacientes ocidentais!
Assim posso dizer com total confiança que, depois de ter assistido a tudo isto, a nossa acupuntura de facto não dói!
Paula Gradim
Especialista de Medinica Chinesa
CP: C-006403